Do corredor que dá acesso à recepção do prédio em que se encontram os estúdios da Rádio Atlântida, em Porto Alegre, ouve-se uma voz estrondosa, seguida de risadas, e em poucos segundos o som dá lugar à imagem de um indivíduo, no mínimo, irreverente. A boina na cabeça cobre os cabelos - agora curtos - que já não são o que mais lhe chamam a atenção. Até pouco tempo, os cabelos compridos eram uma espécie de marca registrada. Entretanto, brincos, pulseiras, anéis, colar, barba e demais adereços continuam compondo a figura característica de um dos mais ilustres comunicadores do rádio gaúcho.
Mas a Rádio Atlântida nem sempre foi o seu "chão". “Trabalhamos juntos na antiga Rádio Laser – 99.9 – em Novo Hamburgo, que era a rádio do mesmo dono da Rádio Alegria, o Beto Ody, só que com uma proposta diferente. O Beto trazia coisas dos Estados Unidos e a rádio servia mais como hobby pra ele”, lembra Rinaldo Silveira, operador de som do Grupo RBS durante 14 anos, ex-colega do início de sua carreira, que confidencia: “Havia a ideia de ele ser chamado para trabalhar na Alegria, mas acabou não acontecendo, talvez por não fazer o estilo da rádio”.
E, realmente, esse não é o estilo de Éverton Cunha, o Mr. Pi. Comunicador da Atlântida, mais de cem mil seguidores no Twitter, também conhecido sob a alcunha de “corpinho” pelos ouvintes e colegas de trabalho. Radialista, cantor e “pensador” nas horas vagas - e não vagas. Repleto de histórias para contar, por vezes filosofa. Seus ouvintes reconhecem seu jeito único e talvez por isso tenha tantos admiradores. Entre uma balinha e outra, em uma sala próxima à redação da rádio, ele conta fatos marcantes e inusitados de sua trajetória.
Pi iniciou a carreira relativamente tarde, segundo ele mesmo. “Normalmente, as pessoas começavam no rádio com 18, 19 anos. Eu cheguei na Atlântida com 26, 27, e só aí já tinha quase dez anos do Alexandre Fetter, do Eron Dal Molin, e eu, depois, acabei me tornando tanto quanto eles. Isso, pra mim, é muito legal”, conta ele, após adentrar a sala em que o bate-papo aconteceu. No caminho até o local, gestos e piadas. Gremista de coração, a "corneta" não falha nem mesmo no ambiente de trabalho. “E tu me aparece com uma camiseta vermelha em frente ao Olímpico”, brinca com um dos colegas.
No ar desde agosto de 1998, além de o programa já ter passado por mudanças de horário, teve de se adequar, naturalmente, às novas realidades do rádio. “O 'Pijama' começou sem e-mail e aí com um mês, dois, no ar, criamos o e-mail. Na primeira noite chegaram uns 13, 14 e-mails, na semana seguinte já tinham 30, com um mês já tinha uns 50 e o auge foi numa noite em que o assunto proposto, acho que foi ‘Coisas que todo mundo um dia já fez’ e que deu numa média, da meia-noite às 3 da manhã, um e-mail por minuto. Chegaram 300 e-mails naquela noite. Foi o auge naquela época, e o programa já tinha um ano, mais ou menos”.
Em 2007, ano de reformulações na Atlântida – em que Alexandre Fetter passou a ser o coordenador da rádio – Pi começou como “estrela móvel”, marcando presença no programa que viria a se tornar um dos maiores destaques da emissora, o “Pretinho Básico”. Hoje, já como integrante fixo, é um dos que levam a informação de forma descontraída aos ouvintes no horário das 13h às 14h. “O 'Pretinho' é um encontro de ‘supostos amigos’, colegas de trabalho, que se encontram para falar da vida. É a vida das pessoas e elas se sentem ali. São sete integrantes físicos completamente diferentes, cada um com seu universo e cada um contribui com alguma coisa e que acaba em algum ouvinte se identificando com um desses, inevitavelmente”, afirma Pi. O programa, que também possui uma edição vespertina, das 18h às 19h, faz um rodízio de comunicadores, mas sempre com a mesma energia. “É um programa gritado, o tom é alto. É pra cima. Começa o Pretinho e já começa a loucura. Mas não é combinado, é porque você vai sendo tomado por isso, porque isso é meio que o inconsciente coletivo”.
Após um momento de hesitação, como que lembrando algo longínquo, ele conta um fato que ocorreu há alguns anos. “Certa vez, havia um monte de ouvintes que tinham vindo de Rio Grande me ver no Pijama de madrugada. Terminou o programa e eu disse pra eles ‘vamos passar lá no postinho comer alguma coisa’. Eram 6 da manhã e apareceu um cover do Roberto Carlos e eu disse ‘alguma coisa esse cara vai nos ensinar hoje’, eles se olharam, não entenderam. E aí a gente começou a conversar e nós falamos que ele era parecido com o Roberto Carlos e ele disse que realmente fazia cover dele. Mais uns minutinhos e ele disse que tinha de ir embora, cuidar do filho, aí se virou e disse pra nós: ‘Jamais esqueçam: conhecer pessoas não ocupa espaço’. Foi um cara que eu nunca mais vi na vida, mas a gente tem que reconhecer isso, pois lembrar é dar importância às pessoas. E essas pequenas coisinhas do dia-a-dia vão mudando o mundo”.
Mr. Pi, de fato, é um dos ícones irreverentes da FM gaúcha e se considera “privilegiado” por poder exercer o que tanto gosta. “Saber que posso fazer parte da vida das pessoas é um troço absurdo na minha cabeça, é muito grande. Não consigo dimensionar. Pra minha expectativa de vida, é maior. E eu nunca tive muita expectativa. Então saber que hoje eu posso falar, que é a coisa mais importante pra mim... Eu sou uma pessoa que precisa falar e falo por tudo, falo por anéis, por brincos, por barba, e eu vou falando de tudo que é jeito que eu puder. Poder fazer o que eu preciso já é uma vida sem trauma e sem frustração. Poder fazer o que eu preciso, fazendo com o que eu quero e ainda ter a oportunidade de outras pessoas querendo além do que eu já faço... Eu estou feliz, né, tchê?”, diz empolgado o comunicador, que conclui: “O rádio é a minha resposta. É a resposta das perguntas que eu tenho a cada dia que amanheço”.
Texto: Fábio Osório
Fotos: Divulgação/Jéssica Silva
baita matéria, o pi eh um mito do rádio gaucho, pena que estragaram o formato do programa dele :/
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