quinta-feira, 23 de agosto de 2012

As histórias de Mr.Pi


Do corredor que dá acesso à recepção do prédio em que se encontram os estúdios da Rádio Atlântida, em Porto Alegre, ouve-se uma voz estrondosa, seguida de risadas, e em poucos segundos o som dá lugar à imagem de um indivíduo, no mínimo, irreverente. A boina na cabeça cobre os cabelos - agora curtos - que já não são o que mais lhe chamam a atenção. Até pouco tempo, os cabelos compridos eram uma espécie de marca registrada. Entretanto, brincos, pulseiras, anéis, colar, barba e demais adereços continuam compondo a figura característica de um dos mais ilustres comunicadores do rádio gaúcho.
Mas a Rádio Atlântida nem sempre foi o seu "chão". “Trabalhamos juntos na antiga Rádio Laser – 99.9 – em Novo Hamburgo, que era a rádio do mesmo dono da Rádio Alegria, o Beto Ody, só que com uma proposta diferente. O Beto trazia coisas dos Estados Unidos e a rádio servia mais como hobby pra ele”, lembra Rinaldo Silveira, operador de som do Grupo RBS durante 14 anos, ex-colega do início de sua carreira, que confidencia: “Havia a ideia de ele ser chamado para trabalhar na Alegria, mas acabou não acontecendo, talvez por não fazer o estilo da rádio”.
E, realmente, esse não é o estilo de Éverton Cunha, o Mr. Pi. Comunicador da Atlântida, mais de cem mil seguidores no Twitter, também conhecido sob a alcunha de “corpinho” pelos ouvintes e colegas de trabalho. Radialista, cantor e “pensador” nas horas vagas - e não vagas. Repleto de histórias para contar, por vezes filosofa. Seus ouvintes reconhecem seu jeito único e talvez por isso tenha tantos admiradores. Entre uma balinha e outra, em uma sala próxima à redação da rádio, ele conta fatos marcantes e inusitados de sua trajetória.
Pi iniciou a carreira relativamente tarde, segundo ele mesmo. “Normalmente, as pessoas começavam no rádio com 18, 19 anos. Eu cheguei na Atlântida com 26, 27, e só aí já tinha quase dez anos do Alexandre Fetter, do Eron Dal Molin, e eu, depois, acabei me tornando tanto quanto eles. Isso, pra mim, é muito legal”, conta ele, após adentrar a sala em que o bate-papo aconteceu. No caminho até o local, gestos e piadas. Gremista de coração, a "corneta" não falha nem mesmo no ambiente de trabalho. “E tu me aparece com uma camiseta vermelha em frente ao Olímpico”, brinca com um dos colegas.
Seu programa, o "Pijama Show", passou por diferentes fases. Já teve seu horário da meia-noite às 6 da manhã, e hoje está no ar das 6h às 9h, nas manhãs da Atlântida. Com quadros clássicos, como o reflexivo "Pijama Místico", hoje o programa conta com a parceria de Porã – seu colega no talk show “Pretinho Básico” – mas a descontração do programa nem sempre foi comum no rádio da madrugada. “Nunca entendi, desde guri, por que o rádio tocava música lenta de madrugada. É como se o rádio servisse pra fazer a pessoa dormir. E como se a música lenta fizesse o sono da pessoa melhor se ela já está dormindo. Isso dava um nó na cabeça”, conta ele, que acabou por fazer a proposta de levar conteúdo descontraído e músicas agitadas à madrugada do rádio. “Quando o 'Pijama' começou na madrugada, foi uma coisa que eu falei para o coordenador da rádio, na época o Gerson Pont, que nós precisávamos botar vida na madrugada porque tem gente acordada querendo viver”. Deu certo, tanto que o “Pijama” é hoje o programa que há mais tempo integra a programação da rádio. “É uma mistura que eu sempre acreditei, do conservadorismo com alguma coisa que inove e alguma coisa que quebre a regra. Essas  são as três coisas que norteiam o programa desde que comecei com ele”.

No ar desde agosto de 1998, além de o programa já ter passado por mudanças de horário, teve de se adequar, naturalmente, às novas realidades do rádio. “O 'Pijama' começou sem e-mail e aí com um mês, dois, no ar, criamos o e-mail. Na primeira noite chegaram uns 13, 14 e-mails, na semana seguinte já tinham 30, com um mês já tinha uns 50 e o auge foi numa noite em que o assunto proposto, acho que foi ‘Coisas que todo mundo um dia já fez’ e que deu numa média, da meia-noite às 3 da manhã, um e-mail por minuto. Chegaram 300 e-mails naquela noite. Foi o auge naquela época, e o programa já tinha um ano, mais ou menos”.
Em 2007, ano de reformulações na Atlântida – em que Alexandre Fetter passou a ser o coordenador da rádio – Pi começou como “estrela móvel”, marcando presença  no programa que viria a se tornar um dos maiores destaques da emissora, o “Pretinho Básico”. Hoje, já como integrante fixo, é um dos que levam a informação de forma descontraída aos ouvintes no horário das 13h às 14h. “O 'Pretinho' é um encontro de ‘supostos amigos’, colegas de trabalho, que se encontram para falar da vida. É a vida das pessoas e elas se sentem ali. São sete integrantes físicos completamente diferentes, cada um com seu universo e cada um contribui com alguma coisa e que acaba em algum ouvinte se identificando com um desses, inevitavelmente”, afirma Pi. O programa, que também possui uma edição vespertina, das 18h às 19h, faz um rodízio de comunicadores, mas sempre com a mesma energia. “É um programa gritado, o tom é alto. É pra cima. Começa o Pretinho e já começa a loucura. Mas não é combinado, é porque você vai sendo tomado por isso, porque isso é meio que o inconsciente coletivo”.
A interação com os ouvintes é um dos pontos fortes do "Pretinho" – grande parte do conteúdo é enviado por ouvintes via e-mail – e sempre esteve presente no "Pijama Show". Se essa era digital ajuda a estabelecer contato com o público, também expõe, muitas vezes, o que as próprias pessoas sentem fora da “vida virtual”. Mr. Pi comenta a relação das pessoas com a internet de modo reflexivo: “Isso é a vida na sua mais plena forma intensa de viver. As pessoas querem falar, querem se expressar, se mostrar importantes. Todos nós precisamos ser notados de alguma maneira e isso não é vaidade, não é ego. É ser importante pra humanidade, pode ser dentro da sua casa, pro seu pai, pra sua mãe, todo mundo quer ser importante. E ser importante não é ser famoso, é dar sentido à própria vida. Dizer pra si mesmo ‘que bom que eu faço alguém feliz’”. Serena e calmamente, parece olhar para o horizonte. Sabe que nasceu para ser comunicador e da responsabilidade de ser tal. “Às vezes é um gesto, um ‘oi’, que pode mudar o dia de uma pessoa”.
Após um momento de hesitação, como que lembrando algo longínquo, ele conta um fato que ocorreu há alguns anos. “Certa vez, havia um monte de ouvintes que tinham vindo de Rio Grande me ver no Pijama de madrugada. Terminou o programa e eu disse pra eles ‘vamos passar lá no postinho comer alguma coisa’. Eram 6 da manhã e apareceu um cover do Roberto Carlos e eu disse ‘alguma coisa esse cara vai nos ensinar hoje’, eles se olharam, não entenderam. E aí a gente começou a conversar e nós falamos que ele era parecido com o Roberto Carlos e ele disse que realmente fazia cover dele. Mais uns minutinhos e ele disse que tinha de ir embora, cuidar do filho, aí se virou e disse pra nós: ‘Jamais esqueçam: conhecer pessoas não ocupa espaço’. Foi um cara que eu nunca mais vi na vida, mas a gente tem que reconhecer isso, pois lembrar é dar importância às pessoas. E essas pequenas coisinhas do dia-a-dia vão mudando o mundo”.
Mr. Pi, de fato, é um dos ícones irreverentes da FM gaúcha e se considera “privilegiado” por poder exercer o que tanto gosta. “Saber que posso fazer parte da vida das pessoas é um troço absurdo na minha cabeça, é muito grande. Não consigo dimensionar. Pra minha expectativa de vida, é maior. E eu nunca tive muita expectativa. Então saber que hoje eu posso falar, que é a coisa mais importante pra mim... Eu sou uma pessoa que precisa falar e falo por tudo, falo por anéis, por brincos, por barba, e eu vou falando de tudo que é jeito que eu puder. Poder fazer o que eu preciso já é uma vida sem trauma e sem frustração. Poder fazer o que eu preciso, fazendo com o que eu quero e ainda ter a oportunidade de outras pessoas querendo além do que eu já faço... Eu estou feliz, né, tchê?”, diz empolgado o comunicador, que conclui: “O rádio é a minha resposta. É a resposta das perguntas que eu tenho a cada dia que amanheço”.


Texto: Fábio Osório
Fotos: Divulgação/Jéssica Silva

Um comentário:

  1. baita matéria, o pi eh um mito do rádio gaucho, pena que estragaram o formato do programa dele :/

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