Na última entrevista que marquei
em Porto Alegre, me atrasei. Péssimo. Culpa do trânsito e, em parte, de minha
inocência ao sair “apenas” uma hora e meia antes do compromisso. Dessa vez me
precavi e saí duas horas antes do horário marcado. Sem pressa e com a maior
calma do mundo, tudo transcorreu perfeitamente: o trem não atrasou, não havia
fila para os táxis na rodoviária, o trânsito da capital fluiu sem percalços.
Cheguei às 17h ao imponente Goethe-Institut, local onde havia marcado a
entrevista. Uma hora adiantado, mas, para minha surpresa, Helene já estava lá.
No bar bebendo uma coca diet e conversando distraidamente em alemão com sua
tradutora, ela nem percebeu quando me aproximei. Não por arrogância, e sim por
distração de alguém que se sente extremamente à vontade com o ambiente a sua
volta. Depois das devidas apresentações, nos encaminhamos ao auditório do
Instituto, onde mais tarde Helene subiria ao palco e falaria sobre seu livro.
– É sua primeira vez no Brasil? –, indaguei.
– Oh, sim! –, respondeu ela sentando-se numa das poltronas
azuis cuidadosamente alinhadas.
– O que está achando? –, continuo eu naquela dúvida que os
brasileiros necessitam em ter sobre as expectativas dos gringos acerca do nosso
país.
– Estou gostando muito. Semana que vem vou para o Rio, –, e
se apressa logo a explicar –, não a trabalho, apenas para curtir com alguns
amigos.
– Acho que você vai gostar.
– Em Munique, o Rio de Janeiro é quase como um lugar mítico,
todos sonham em estar lá, nas praias e festas.
Retiro o bloco de notas da mochila e testo o gravador. Tudo
certo. Hora de começar. Mas quem é Helene?
Com 17 anos, Helene Hegemann fez justamente o que não se
espera de um jovem dessa idade, lançou seu primeiro livro. Envolto a polêmicas
e acusações de plágio, Axolotle
Atropelado (Intrínseca) foi indicado para o Prêmio Literário Cologne e
finalista do prêmio literário da Feira do Livro de Leipzig. Best-seller na Alemanha, o romance é só
mais um dos trabalhos artísticos da jovem nascida em Freiburg. Torpedo, seu filme de estreia, o qual
ela assina o roteiro e a direção, foi lançado no HotFilm Festival de 2008 e
recebeu o prêmio Max Ophüls. Como se não bastasse, Helene também é criadora da
peça teatral Ariel 15, que estreou em
2007.
Axolotle Atropelado
conta a história de Mifti, uma adolescente berlinense que vive de forma
extrema, abusando de drogas e relacionando-se de maneira pueril com as pessoas
ao seu redor. Quando lançado, muitas pessoas achavam que Mifti era a
personificação de Helene, o que a irritava, “Quanto mais eu dizia que não era
eu, mais as pessoas falavam ‘Ah meu Deus, é ela! ’ No começo eu pensava que só
eu sofria com isso, mas depois percebi que todo escritor é meio que reduzido
aos seus personagens principais. Eu queria escrever sobre uma garota de 17 anos,
pois eu era uma garota de 17 anos. Eu também poderia escrever sobre um cara de
30 anos no Brasil, sem nem mesmo estar aqui, mas eu precisava dessas informações
básicas para criar o pano de fundo da história”.
Assim como Axolotle
Atropelado, Torpedo surgiu de
forma espontânea, “eu fiz o roteiro e mandei para várias produtoras que achei
na internet. E depois de seis ou sete meses alguém respondeu e eles disseram que
realmente queriam fazer esse filme”. Com coragem, Helene foi categórica: “Vocês
só podem ter o roteiro se me deixarem dirigir o filme”. Sua resposta, que
surpreendeu a si mesma, foi vital para sua carreira, “eu não sei por que fiz
isso, pois naquela época eu era tão tímida. Mas no fim eu fiz, foi um
média-metragem que teve certo sucesso na Alemanha, passou nos cinemas, coisa
que eu nunca esperei. E muitas pessoas assistiram, o que foi incrível, porque
muitas pessoas trabalharam em conjunto no filme e foi tão complicado e tão
louco. Você precisa de muito dinheiro para fazer algo assim, então foi muito
estressante e muito exaustivo, mas ao mesmo tempo foi a melhor coisa”. Helene
ainda é enfática na sua preferência entre trabalhar com filmes e livros, “Trabalhar
sozinha é um problema dos livros. Na verdade é por isso que eu realmente odeio
escrever romances”, acrescenta aos risos. “É ótimo que ninguém esteja no seu
caminho ou diga para você fazer algo diferente do que você quer. E é previsível
que, ao escrever um romance, tudo está nas suas mãos, mas isso é algo
extremamente chato. O que eu realmente acho incrível na arte é que você entrega
algo para as pessoas e elas transformam isso em algo completamente diferente. E
é assim que você trabalha em equipe. Isso é algo que você desenvolve na vida, e
é muito mais excitante do que sentar na sua mesa e pensar em você como um
incrível autor”, afirma com humildade.
Como todo escritor, Helene tem suas influências, “acho que o
único romance que realmente mudou minha vida é As benevolentes (Alfaguara), de Jonathan Littel. Ele é um cara de
37 anos que escreve de um modo totalmente diferente que os historiadores e
romancistas fazem. Mas quem influenciou minha escrita em Axolotle foi Kathy
Acker. Ela é uma escritora punk da Nova Iorque dos anos 1960. Eu descobri
alguns livros dela e comecei a lê-los e pensei: ‘Meu Deus, isso é louco’, são
como letras de músicas, são realmente poéticos e loucos. Essa escrita um pouco
incompreensível no começo, fez com que eu sentisse algo, mas não entendesse
nada. Então eu combinei isso com autores do século XIX, como Charles Dickens e Dostoiévski.
E acho que essa combinação realmente foi a base da minha escrita”. As
influências, porém não estão apenas no mundo literário, o que percebemos no início
de cada capítulo de Axolotle Atropelado, que traz o título de alguma música.
“Há sempre uma música tema para cada capítulo. Obviamente eu nunca penso nisso
antes, mas depois eu percebo: ‘Merda, eu fico escutando essa mesma música
várias e várias vezes’, e de algum modo essas músicas formam o capítulo,
influenciam o que eu escrevo. E é por isso que eu coloco elas no começo de cada
capítulo. E também porque eu gosto das letras, eu prefiro muito mais letras de
músicas do que poesia”, confessa a autora.
Passando por Porto Alegre para participar da FestiPoa
Literária, – que aconteceu de 19 a 25 de
maio, em Porto Alegre e contou com a participação de diversos escritores,
poetas e ensaístas brasileiros e estrangeiros –, Helene conta que não se sente
deslocada em outros países e acredita que deve isso à globalização, “eu estive
na Holanda, na Inglaterra, na Escandinávia e essa é minha primeira vez na
América do Sul. Mas o interessante é que as pessoas que se interessam pelo meu
livro ou pelas coisas que escrevo pensam mais ou menos do mesmo modo. E isso é
uma conexão que a literatura faz, você encontra pessoas com os mesmo gostos e
mesmas ideias, mesmo que elas nem falem sua língua”.
Agora com 22 anos, Helene planeja um novo livro, mas foca grande parte de sua atenção no cinema, onde pretende seguir carreira, “nos últimos quatro anos eu vim juntando dinheiro para o próximo filme, o que é sempre muito estressante, mas nós vamos começar as filmagens no fim do ano e vai ser um filme sobre Axolotle Atropelado”. Sobre adaptar um livro próprio para o cinema, ela brinca que não terá o mesmo problema que os escritores geralmente têm com os diretores das adaptações, “eu posso fazer o que quiser. É perfeito!”.
Foto: Ana Mendes/Divulgação |
Giancarlo Couto
Acadêmico do 5º Semestre de Jornalismo
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