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Clóvis de Barros Filho é professor de Ética pela ECA-USP e consultor de Ética da Unesco Foto: Divulgação |
No dia 11 de agosto, o Teatro Feevale recebeu diversos
empresários e pessoas ligadas à indústria para o “Fórum Gestão de Pessoas”. Para
fechar o evento, o Doutor em Direito pela Universidade de Paris e Doutor em
Comunicação pela Universidade de São Paulo, Clóvis de Barros Filho, falou sobre
“A Vida que vale a Pena ser Vivida”, de suas experiências de vida e trabalho
através da filosofia. Antes, porém, Clóvis conversou conosco sobre sua
carreira, vida e sua visão do mundo corporativo. Confira:
Eu queria começar
falando de seu livro e a palestra, A Vida que Vale a Pena Ser Vivida, como isso
se converge para o tema discutido aqui hoje, que é a gestão de pessoas?
Eu tenho a impressão de que toda a reflexão sobre a vida boa
acaba incidindo sobre o trabalho, porque o trabalho é parte integrante da vida.
E uma parte significativa. Poderíamos até concluir que, se uma pessoa não é
feliz no trabalho, é muito pouco provável que sua vida possa valer a pena.
Então é evidente que a convergência é imediata.
Nas suas aulas de
ética você usa diversos pensadores, como Maquiavel, Spinoza e Kant. O que é
possível aproveitar deles para questões atuais referentes ao trabalho?
Eu tenho a impressão de que cada um desses pensadores disse
muitas coisas interessantes que tem enorme atualidade. Eu acho que o
conhecimento de todo esse pensamento enriqueceria demais o repertório médio dos
colaboradores das empresas do nosso país. De certa maneira, facilitaria uma
reflexão crítica sobre as verdades
tão enraizadas nos seus discursos.
Lembro-me de já ter
visto você falar que hoje em dia se pede que o profissional pense fora da
caixa, mas quando ele o faz, é imediatamente ignorado. Como se faz para pensar
fora da caixa e não ser colocado de lado?
Aumentando o lucro. Se você aumentar o lucro, você será
aplaudido, se você diminuir o lucro você será excluído. E não há tolerância.
Isso é o que é mais incongruente. Porque para que uma inovação possa dar certo,
ela requer aperfeiçoamento. Portanto, é preciso que haja uma certa tolerância com
o erro. É muito raro que as organizações tenham essa tolerância. Então você é
convidado a inovar, mas acerte, porque se você errar, é uma vez só.
Qual a diferença de
dar aula para um público de estudantes e uma palestra para empresários?
É uma diferença enorme. Até a expectativa do meu discurso é
outra, pelo impacto também. Eu tenho na universidade em média 16 encontros por
semestre de quatro horas cada, o que dá 60 horas aula, enquanto numa palestra é
uma hora ou pouco mais. Então o impacto e a intensidade é muito maior. De
qualquer forma isso é um problema que acaba agora, porque como eu estou me
aposentando da condição de professor, então eu não terei mais essa pluralidade
de públicos.
Tu te aposentas no
final do ano?
Exatamente.
Tu vais seguir com
palestras e livros?
Vou seguir com palestras e cursos para empresas. Vou
trabalhar com recursos humanos de maneira exclusiva.
Você já contou
algumas vezes sobre o momento que se descobriu como professor, quando, ainda na
escola, apresentou um seminário sobre petróleo. Aquela sensação, de subir ao
palco para falar pela primeira vez, ainda é a mesma?
Não, nada mais é o mesmo. Na época era ruim por causa da
incerteza no futuro. Hoje é ruim pela falta de futuro. Então a vida tende a ser
sempre assim. Ela é sempre ruim, o que muda é a causa.
Se não há fórmulas
prontas, o que fazer?
Eu não saberia dar essa solução nem pra mim, quanto mais
pros outros. Eu tenho certeza que cada um acaba se virando. As pessoas tendem a
recorrer a mecanismos para diminuir a própria angústia. E às vezes dá muito
certo. Se você observar aí os gremistas que foram na Arena no último domingo,
eles pareciam muito bem. [Risos] É que nem sempre é o seu time que ganha. E aí
então é preciso momentos que outros. Mas são momentos, paliativos. São picos de
euforia. E na segunda-feira a coisa volta, e ela volta cabeluda. O mundo é
extraordinariamente competente para entristecer e a chance de não dar certo é
muito grande.
O outro palestrante
do fórum [Sidnei Oliveira] estava falando sobre o conflito de gerações. Nas
empresas, como tu vês esse conflito de gerações? Sendo que hoje em dia se fala
muito que os jovens têm falta de foco.
Em primeiro lugar, nós poderíamos problematizar a própria
ideia de geração. A quem interessa fazer acreditar na existência de grupos
geracionais, como X, Y, Z, etc.? Com que critério se corta uma sociedade em
função de supostas gerações? Que proveito tiram disso? Quanto ao eventual
conflito desses grupos, a mim parece muito natural que indivíduos que tenham
tempo de trajetória diferente, tenham perspectivas de vida e de mundo
diferentes. E o que há no fundo é uma disputa de poder que passa pela
desqualificação de certos hábitos e de certas competências em proveito de
outras e vice-versa. Então eu acho que, de certa maneira, isso sempre
aconteceu. Agora, com o surgimento de novas tecnologias e a, digamos, “super
proximidade” do público jovem com essas novas tecnologias, evidentemente isso
tudo pode fazer acreditar que o adulto é, por definição, estrangeiro a essas
novas tecnologias e o jovem é, por definição, tecnológico. Isso pode ter
consequências muito grandes, em função até do ponto de vista de construção de
identidade. Imagine, por exemplo, hoje, um jovem que não goste de redes
sociais, o que ele seria então nesse caso? Ou até mesmo alguém de mais idade,
super entrosado a toda essa parafernália aí. Então eu penso que todo esse
discurso em cima de gerações é um discurso simplificador da complexidade do
real. É uma tentativa de encaixar a sociedade em categorias e falar depois disso
dando conta de questões, que a meu ver, são muito mais complexas. Agora, quanto
ao jovem não ter foco... Se não tiver foco na concentração do capital e na
exploração do trabalho, isso me parece muito bom. Que haja pelo menos esse
resquício de subversão. O que não me parece é que haja alguma coisa no lugar.
Alguns valores clássicos, como a fidelidade à empresa, deram lugar à liquidez.
Hoje o profissional valorizado é aquele que muda muito de empresa, pois isso
revela um interesse dos outros pelo seu trabalho, tanto que você é convidado a
trabalhar em outros locais. São valores realmente opostos. Tanto que se você
for numa organização tradicional, não vou citar nomes mesmo tendo tantos a dar,
aonde o sujeito chega e a primeira coisa a dizer é: “Eu tenho 30 anos de
empresa”. Isso é o capital que ele tem. Isso é o que importa no final das
contas. Isso é o tamanho do pinto dele. E evidentemente que esse mesmo discurso
em outro universo seria indicativo de atraso, desatualização, desinteresse,
paquidermice, estagnação. Então eu diria que são vários mundos. A
pós-modernidade, como se costuma dizer, é justamente essa confusão de valores.
Não é a falta de valores, mas é justamente a convivência de valores que são
contraditórios, complexos, se desmentem e assim por diante. Eu, que não sou
jovem, às vezes me sinto constrangido em dizer a quanto tempo estou na
universidade, porque às vezes me dá a mesma impressão de que essa longevidade
dentro da instituição é mesmo uma indicativa de uma estagnação.
Giancarlo Couto
Acadêmico do 7º semestre de Jornalismo da Universidade Feevale
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