segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Entrevista com Clóvis de Barros Filho

Clóvis de Barros Filho é professor de Ética pela ECA-USP e
consultor de Ética da Unesco Foto: Divulgação


No dia 11 de agosto, o Teatro Feevale recebeu diversos empresários e pessoas ligadas à indústria para o “Fórum Gestão de Pessoas”. Para fechar o evento, o Doutor em Direito pela Universidade de Paris e Doutor em Comunicação pela Universidade de São Paulo, Clóvis de Barros Filho, falou sobre “A Vida que vale a Pena ser Vivida”, de suas experiências de vida e trabalho através da filosofia. Antes, porém, Clóvis conversou conosco sobre sua carreira, vida e sua visão do mundo corporativo. Confira:

Eu queria começar falando de seu livro e a palestra, A Vida que Vale a Pena Ser Vivida, como isso se converge para o tema discutido aqui hoje, que é a gestão de pessoas?
Eu tenho a impressão de que toda a reflexão sobre a vida boa acaba incidindo sobre o trabalho, porque o trabalho é parte integrante da vida. E uma parte significativa. Poderíamos até concluir que, se uma pessoa não é feliz no trabalho, é muito pouco provável que sua vida possa valer a pena. Então é evidente que a convergência é imediata.

Nas suas aulas de ética você usa diversos pensadores, como Maquiavel, Spinoza e Kant. O que é possível aproveitar deles para questões atuais referentes ao trabalho?
Eu tenho a impressão de que cada um desses pensadores disse muitas coisas interessantes que tem enorme atualidade. Eu acho que o conhecimento de todo esse pensamento enriqueceria demais o repertório médio dos colaboradores das empresas do nosso país. De certa maneira, facilitaria uma reflexão crítica sobre as verdades tão enraizadas nos seus discursos.

Lembro-me de já ter visto você falar que hoje em dia se pede que o profissional pense fora da caixa, mas quando ele o faz, é imediatamente ignorado. Como se faz para pensar fora da caixa e não ser colocado de lado?
Aumentando o lucro. Se você aumentar o lucro, você será aplaudido, se você diminuir o lucro você será excluído. E não há tolerância. Isso é o que é mais incongruente. Porque para que uma inovação possa dar certo, ela requer aperfeiçoamento. Portanto, é preciso que haja uma certa tolerância com o erro. É muito raro que as organizações tenham essa tolerância. Então você é convidado a inovar, mas acerte, porque se você errar, é uma vez só.

Qual a diferença de dar aula para um público de estudantes e uma palestra para empresários?
É uma diferença enorme. Até a expectativa do meu discurso é outra, pelo impacto também. Eu tenho na universidade em média 16 encontros por semestre de quatro horas cada, o que dá 60 horas aula, enquanto numa palestra é uma hora ou pouco mais. Então o impacto e a intensidade é muito maior. De qualquer forma isso é um problema que acaba agora, porque como eu estou me aposentando da condição de professor, então eu não terei mais essa pluralidade de públicos.

Tu te aposentas no final do ano?
Exatamente.

Tu vais seguir com palestras e livros?
Vou seguir com palestras e cursos para empresas. Vou trabalhar com recursos humanos de maneira exclusiva.

Você já contou algumas vezes sobre o momento que se descobriu como professor, quando, ainda na escola, apresentou um seminário sobre petróleo. Aquela sensação, de subir ao palco para falar pela primeira vez, ainda é a mesma?
Não, nada mais é o mesmo. Na época era ruim por causa da incerteza no futuro. Hoje é ruim pela falta de futuro. Então a vida tende a ser sempre assim. Ela é sempre ruim, o que muda é a causa.

Se não há fórmulas prontas, o que fazer?
Eu não saberia dar essa solução nem pra mim, quanto mais pros outros. Eu tenho certeza que cada um acaba se virando. As pessoas tendem a recorrer a mecanismos para diminuir a própria angústia. E às vezes dá muito certo. Se você observar aí os gremistas que foram na Arena no último domingo, eles pareciam muito bem. [Risos] É que nem sempre é o seu time que ganha. E aí então é preciso momentos que outros. Mas são momentos, paliativos. São picos de euforia. E na segunda-feira a coisa volta, e ela volta cabeluda. O mundo é extraordinariamente competente para entristecer e a chance de não dar certo é muito grande.

O outro palestrante do fórum [Sidnei Oliveira] estava falando sobre o conflito de gerações. Nas empresas, como tu vês esse conflito de gerações? Sendo que hoje em dia se fala muito que os jovens têm falta de foco.
Em primeiro lugar, nós poderíamos problematizar a própria ideia de geração. A quem interessa fazer acreditar na existência de grupos geracionais, como X, Y, Z, etc.? Com que critério se corta uma sociedade em função de supostas gerações? Que proveito tiram disso? Quanto ao eventual conflito desses grupos, a mim parece muito natural que indivíduos que tenham tempo de trajetória diferente, tenham perspectivas de vida e de mundo diferentes. E o que há no fundo é uma disputa de poder que passa pela desqualificação de certos hábitos e de certas competências em proveito de outras e vice-versa. Então eu acho que, de certa maneira, isso sempre aconteceu. Agora, com o surgimento de novas tecnologias e a, digamos, “super proximidade” do público jovem com essas novas tecnologias, evidentemente isso tudo pode fazer acreditar que o adulto é, por definição, estrangeiro a essas novas tecnologias e o jovem é, por definição, tecnológico. Isso pode ter consequências muito grandes, em função até do ponto de vista de construção de identidade. Imagine, por exemplo, hoje, um jovem que não goste de redes sociais, o que ele seria então nesse caso? Ou até mesmo alguém de mais idade, super entrosado a toda essa parafernália aí. Então eu penso que todo esse discurso em cima de gerações é um discurso simplificador da complexidade do real. É uma tentativa de encaixar a sociedade em categorias e falar depois disso dando conta de questões, que a meu ver, são muito mais complexas. Agora, quanto ao jovem não ter foco... Se não tiver foco na concentração do capital e na exploração do trabalho, isso me parece muito bom. Que haja pelo menos esse resquício de subversão. O que não me parece é que haja alguma coisa no lugar. Alguns valores clássicos, como a fidelidade à empresa, deram lugar à liquidez. Hoje o profissional valorizado é aquele que muda muito de empresa, pois isso revela um interesse dos outros pelo seu trabalho, tanto que você é convidado a trabalhar em outros locais. São valores realmente opostos. Tanto que se você for numa organização tradicional, não vou citar nomes mesmo tendo tantos a dar, aonde o sujeito chega e a primeira coisa a dizer é: “Eu tenho 30 anos de empresa”. Isso é o capital que ele tem. Isso é o que importa no final das contas. Isso é o tamanho do pinto dele. E evidentemente que esse mesmo discurso em outro universo seria indicativo de atraso, desatualização, desinteresse, paquidermice, estagnação. Então eu diria que são vários mundos. A pós-modernidade, como se costuma dizer, é justamente essa confusão de valores. Não é a falta de valores, mas é justamente a convivência de valores que são contraditórios, complexos, se desmentem e assim por diante. Eu, que não sou jovem, às vezes me sinto constrangido em dizer a quanto tempo estou na universidade, porque às vezes me dá a mesma impressão de que essa longevidade dentro da instituição é mesmo uma indicativa de uma estagnação.

Giancarlo Couto
Acadêmico do 7º semestre de Jornalismo da Universidade Feevale


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